Os perigos da censura

by - setembro 13, 2019


Censura

substantivo feminino
1. ação ou efeito de censurar.
2. análise, feita por censor, de trabalhos artísticos, informativos etc., ger. com base em critérios morais ou políticos, para julgar a conveniência de sua liberação à exibição pública, publicação ou divulgação.

Olá.

Tudo bem?

Entrou muito em evidência nas últimas semanas (principalmente semana passada) com relação ao que é censura e como o ato de proibir a circulação, distribuição e venda  de algum material artístico por qualquer motivo fere a liberdade de expressão, afetando diretamente nossas vidas. Durante a Bienal do Rio que aconteceu entre os dias 30 de agosto e 08 de setembro ficou marcada por um episódio de censura que alcançou jornais de todo o mundo e envolveu até o youtuber brasileiro Felipe Neto quando o prefeito da cidade do Rio de Janeiro Marcelo Crivella mandou recolher todos os exemplares da HQ Vingadores, A Cruzada das Crianças que estava sendo vendido em um dos estandes da feira por ferir o estatuto das crianças e adolescentes. O motivo? Em uma das páginas, a seguinte imagem era exibida: 


Segundo o prefeito a foto acima se enquadra como pornografia e por isso, a HQ precisa estar envolta em um plástico preto fosco com a identificação avisando aos leitores a respeito do conteúdo. O prefeito rebateu às críticas duramente dizendo que apenas está tentando proteger as famílias, mas proteger do que, exatamente? Do amor? Do afeto? As declarações provocaram revolta na internet e nas pessoas que estavam no evento e testemunharam os agentes da prefeitura realizarem a inspeção. Felizmente, nenhum livro foi apreendido e, na verdade, o efeito foi o contrário: A HQ se esgostou rapidamente nos estandes e também nos sites de vendas online como Submarino e Amazon. A situação não causou apenas o aumento de vendas da HQ, mas sim de todos os títulos do gênero nos estandes sofreram intensa procura e aumentaram a demanda. Durante o final de semana do evento, a Amazon também fez a distribuição dos títulos LGBTQ+ de forma gratuita, para quem adquiria os ebooks. 

Felipe Neto, um dos Youtubers brasileiros mais conhecidos e seguidos nas redes sociais (com aproximadamente 11 milhões de seguidores) se mostrou muito descontente com a situação e tomou uma atitude ao mesmo tempo inesperada e incrível: Ele comprou o acervo literário do gênero LGBTQ+  (algo em torno de 14 mil livros) e realizou a distribuição gratuita do material na praça de alimentação no evento. Os títulos foram embalados em plástico opaco e continha o aviso de conteúdo, assim como Crivella informara em seu vídeo. Os seguintes dizeres do adesivo eram os seguintes:


Todos os livros foram distribuídos no dia 07 de setembro de 2019, mesmo que algumas pessoas presentes no momento da distribuição relataram a presença de agentes da prefeitura e da polícia. Ocorreram também diversas manifestações no evento a favor da liberdade de expressão e contra a censura. Até o momento em que esse texto foi publicado, alguns dos títulos que foram distribuídos ainda estão esgostados na Amazon, no entanto, caso seja do interesse de vocês, irei deixar aqui uma lista com alguns dos livros e seus respectivos links para adquirir. 

  • Vingadores, A Cruzada das Crianças (Editora: Salvat, 2016)
  • Com Amor, Simon (Editora: Intrínseca, 2018) 
  • Leah Fora de Sintonia (Editora: Intrínsecam 2018)
  • Boy Erased (Editora: Intrínseca, 2019)
  • Um Milhão de Finais Felizes (Editora: Globo Alt, 2018)
  • O Ano em Que Morri em Nova York (Editora: Planeta, 2017) 
  • Aristóteles e Dante Descobrem o Segredo do Universo (Editora: Seguinte, 2014)
  • E Se Fosse A Gente? (Editora: Intrínseca, 2019)

Existem inúmeros títulos e autores que merecem ser reconhecidos e suas histórias lidas por todos. São histórias de amor, empatia e, acima de tudo, de humanidade. Durante o ocorrido na Bienal, se levantou uma questão muito interessante: Você sabe a diferença entre classificação indicativa e censura? Ao contrário do que muitos pensam, a classificação indicativa faz exatamente o que seu nome sugere: A mesma faz recomendações com relação ao conteúdo da obra, classificando-a de acordo com a faixa etária e público alvo de maneira adequada. Ela não proíbe a exibição de um conteúdo, mas sim define a faixa etária mais adequada para a produção. Proibir a venda de algum livro ou a exibição de algum filme ou qualquer outro conteúdo é censura.  No entanto, vocês sabem como funciona esse sistema de classificação?


Criado em 1990, o sistema é responsável pela classificação de filmes, aplicativos, jogos eletrônicos e programas de televisão no Brasil pela Coordenação de Classificação Indicativa (Cocind) do Departamento de Promoção de Políticas de Justiça (DPJUS). A equipe da Cocind é formada por membros com diferentes formações acadêmicas que passam por treinamentos de atualização constantes. Vale ressaltar que nenhuma obra recebe a classificação indicativa de maneira individual; geralmente dois classificadores assistem ao conteúdo e, sem contato com o outro, atribuem uma classificação. Caso não haja consenso entre as notas, o Concid inclui mais membros que repetem o processo até atingirem a classificação ideal para a obra em questão.  As obras que se incluem nesse procedimento são: Obras destinadas ao mercado do cinema ou DVD/Blu-Ray, jogos eletrônicos e RPG's. Existe também um grupo especial de obras que se enquadram no processo de Autoclassificação, ou seja, as próprias produtoras atribuem para a obra uma classificação etária e a mesma passa por uma analise de diversos membros da Concid para verificar se a classificação é ou não adequada com o material. O grupo de obras que se enquadram nesse procedimento de Autoclassificação são: Obras audiovisuais destinadas à televisão, jogos eletrônicos e aplicativos distribuídos apenas por meio digital, mostras e festivais e vídeos por demanda (VoD).

A Metodologia 

Os membros da Concid que aplicam as política pública da Classificação Indicativa se baseiam sobre três principais temas que são levados em consideração a para atribuição das faixas etárias: Sexo, Violência e Drogas - conteúdos que são considerados inadequados à formação de crianças e adolescentes. A Cocind avalia esses temas de acordo com a frequência, relevância, contexto, intensidade e importância dos temas para a trama. A partir daí, a análise passa por três etapas: descrição fática, tendências de indicação e aspectos temáticos, contextuais e informativos. Após a conclusão dos processos, a obra é encaminhada para o diretor do departamento que avalia todas essa informações e confirma a classificação dada pelos membros.

Vale a pena ressaltar que a Cocind citou em seu manual que orientação sexual não é critério para agravar classificação indicativa. Desse modo, cenas de afeto entre um casal heterossexual ou homossexual recebem a mesma classificação. Diante desse quadro, a banca também cita que a apresentação das cenas em uma obra contribuem para o estímulo à diversidade e, dependendo da cena, podem até mesmo atenuar a sua classificação, enquanto cenas de violência e discriminação são agravantes para o aumento da faixa etária da obra. Eles também especificaram que seu trabalho é de caráter meramente informativo, e que, portanto, não possuem nenhuma competência legal para proibir ou censurar qualquer obra. 

Diante de tudo que falei, os membros da Cocind elaboraram a seguinte tabela que indica como a classificação das faixas etárias é feita e os horários de exibição. Ou seja, todos os conteúdos que são exibidos na TV recebem uma indicação etária e são exibidos no horário indicado pela própria Banca.




 E no caso de livros e HQ's? Como é feita a classificação?


As obras publicadas se enquadram no padrão de Autoclassificação, como citei acima. Ou seja, as próprias editoras atribuem uma classificação etária, havendo posteriormente uma avaliação perante aos membros da Cocind que vão liberar ou não a reprodução do conteúdo de acordo com a classificação etária indicada. A classificação também pode ser reconsidera após a denúncia de qualquer conteúdo e Cocind atendem todas as denúncias feitas, não importa qual seja o conteúdo. Logo, você, como pai, educador, ou responsável, precisa estar atento as classificações das obras e, com essa informação, decidir o tipo de material que seu filho deve ou não consumir. Dito tudo isso, podemos deixar claro que o prefeito da cidade não precisa se preocupar em classificar ou julgar os materiais. Existe uma instituição ideológica e não partidária que trabalha fazendo exatamente isso por ele. A censura é a forma mais baixa de limitar e proibir o acesso da população; o direito de expressão é garantido em nossa constituição brasileira e nós não iremos nos calar. 

Ah, e vocês podem consultar e verificar o trabalho da Cocind por aqui. Basta digitar o nome do material desejado e verificar todos os detalhes relacionados. No site vocês podem também encontrar os materiais que utilizei para a elaboração do texto.

Leiam. Leiam livros de romance. De Ficção. Leiam distopias. Leiam romances históricos. Leiam história. Ler é um ato político. Ler é um ato de pensamento. Ler é um ato de liberdade. 



“Qualquer livro que valha a pena ser banido é um livro que vale a pela ser lido” Isaac Asimov



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7 comentaram

  1. Esse assunto já deu o que deveria.
    A ordem que partiu das autoridade foi uma, a executada foi outra e o resultado foi uma confusão que as pessoas fizeram lá no local.
    Eu gostaria que alguém explicasse pq foram de stand em stand se essa não era a ordem.
    Pra mim ficou muito claro que isso foi algum "espertinho que queria causar" e conseguiu.

    osenhordoslivrosblog.wordpress.com

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  2. Oi Gabriel.
    Imagino que em um mundo censurado muitas coisas necessárias seriam perdidas. Uma cultura alienante se propaga e acabamos perdendo um pouco da essência da multiplicidade.
    Adorei o post. Bem interessante entender como a classificação funciona.
    Beijos.
    Blog: Fantástica Ficção

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Olá!
    Realmente foi lamentável o que ocorreu na Bienal do Rio. Não estive por lá, mas pude acompanhar e nem sei se existe algum comentário para o assunto.
    Gostei muito do post e de entender como a Cocind funciona.

    bjs

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  5. Oi, Gabriel.
    Acompanhei essa treta da Bienal por alguns perfis que sigo no Instagram. Gostei muito de entender como são feitas as classificações, não sabia desses detalhes por trás. Bem interessante.
    Só espero que sempre haja respeito entre as pessoas, independente de suas crenças ou sua orientação sexual.
    Um beijão

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  6. Olá, vi a reportagem no jornal e os mimimis por aí.
    Realmente foi um assunto que mexeu com muitos.
    Respeito é a base de tudo.

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  7. Oi.
    Não conhecia como era feita a classificação indicativa, achei muito interessante. Parabéns pelo post, bem pertinente, completo e bem explicativo. Beijos.

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